terça-feira, 23 de abril de 2013

Capitulo 2 (O Caminhante)



Após uma pausa prolongada, na pedra fria e molhada que tinha encontrado no meio do seu caminho, voltou a caminhar. O seu saco de problemas seguia-o de perto. Tão perto que o podia tocar, para isso bastava esticar a mão. Mas não o queria fazer. A sua árdua tarefa de caminhar, consumia toda a sua energia vital. Caminhar. Caminhar sempre. Olhou para o caminho que tinha a sua frente. Sentiu que era um bom caminho. Ao olhar para um arbusto viu um pássaro cor lilás. Continuou a contar os passos que ia fazendo. Sempre se distraia um pouco. O pássaro novamente à sua frente, agora numa árvore. Consciencializou que já o seguia há alguns minutos. Parava em cada árvore que encontrava à sua frente. Olhou para baixo. O seu olhar cruzou-se com o de John e disse-lhe, «vou-te acompanhar por algum tempo, mas este caminho tem que ser feito apenas por ti». John respondeu como se o compreendesse, «eu sei, eu sei». Veio-lhe, de repente, à memória o que dizia o seu pai. «Agora já és um homenzinho não precisas que seja eu a abotoar-te os sapatos, deves faze-lo sozinho senão tropeças». Tinha nessa altura dez anos de idade. Em muitas alturas John lembrou-se desse conselho. Como daquela vez em que sentado no seu restaurante preferido em frente ao rio, o olhou com outros olhos. Marisa ao pé dele olhava-o com a mágoa de alguém que tenta ser feliz e faze-lo feliz, mas não consegue. John não sabia ainda abotoar os sapatos sozinho. Ela cansada e em saturação tinha desistido dele. Aquela conversa deveria ter acontecido há já algum tempo. Mas por medo, ansiedade não a tinham concretizado. Marisa apesar de sonhadora era também prática tal como John. Sentiam-se mal na pele que tinham escolhido para dar um ao outro. Não magoar, não culpabilizar, não cobrar. Tinham dito isso já lá iam dois anos. Mas o que parecia inicialmente um mar de rosas perfumadas, carinhos para ali, caricias para acolá tinha-se tornado em espinhos não ditos para ali e verdadeiras silvas para acolá. E num momento de stress tudo desabou. Dissera aquilo que queria e aquilo que não queria. Ouvira também aquilo que queria e não queria. Alguém em determinada altura pensou e escreveu, “A vida não é simples. A vida parece simples. Todos querem crer que a vida é simples, quando na verdade, a vida é como um piano. Um piano também parece simples, com apenas duas cores. Preto e branco. A vida é um conjunto de harmonias em simultâneo. A vida é feita de acordes, escalas cromáticas e simples staccatos. Por trás de um conjunto de teclas de ébano e marfim, existem martelos e cordas que não são tão simples como as simples cores preto e branco que um piano aparentemente apresenta.”

 John e Marisa tinham transformado as suas vidas em dois pianos desafinados. Marisa ainda tentou. Sendo mais sensata tornou-se mais coerente com o seu modo de agir. Não importunava, não criava situações de conflito, não conversava de coisas que pudessem fazer desentendimentos. John pelo contrário. Tudo fazia por azedar toda e qualquer comunicação. Por simples coisas como o atraso num cabeleireiro por parte dela. Ela a ficar bonita para ele. «Eu estúpido a perde-la por minutos», pensa agora que caminha. Por mais que tentassem afinar os seus pianos e entrar em sintonia não tinham entendido que só um afinador de pianos os podia concertar. Por fim tinham deixado de se ver. Inicialmente ainda conversavam pelo telefone. E de repente tudo terminou.

Passara-se cerca de um mês e meio e tudo estava tranquilo até aquela fatídica noite em que lhe veio a angústia ao peito. Lembrando-se da relação que tinha tido com Marisa. Lembrou-se agora que algures tinha imaginado que, um homem não lhe chama relação, refere-a como um romance ou um período de namoro. Quando acaba a reação é diferente no feminino e no masculino. Enquanto a mulher chora, desabafa com as amigas e escreve um poema chamado, «todos os homens são otários» e depois continua a sua vida, um homem tem um pouco mais de dificuldade em esquecer. Durante seis meses a sua ex não ouvirá falar dele mas de repente, às três da madrugada de um domingo, ele telefonará e dirá «é só para que saibas que arruinaste a minha vida e nunca mais te perdoarei, odeio-te e és uma vaca. Mas queria dizer-te que há sempre uma possibilidade para nós os dois recomeçarmos». John pensa que terá dito algo do género. Lembra-se que como a maioria dos homens fez o telefonema, «eu odeio-te / eu amo-te». Quanto mais caminhava, John, mais pensava que tinha perdido a oportunidade de deixar de ser um caminhante errático. Não é que não gostasse de o ser mas estava a ficar cansado de caminhar sem rumo.   

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