Após
uma pausa prolongada, na pedra fria e molhada que tinha encontrado no meio do
seu caminho, voltou a caminhar. O seu saco de problemas seguia-o de perto. Tão
perto que o podia tocar, para isso bastava esticar a mão. Mas não o queria
fazer. A sua árdua tarefa de caminhar, consumia toda a sua energia vital.
Caminhar. Caminhar sempre. Olhou para o caminho que tinha a sua frente. Sentiu
que era um bom caminho. Ao olhar para um arbusto viu um pássaro cor lilás.
Continuou a contar os passos que ia fazendo. Sempre se distraia um pouco. O pássaro
novamente à sua frente, agora numa árvore. Consciencializou que já o seguia há
alguns minutos. Parava em cada árvore que encontrava à sua frente. Olhou para
baixo. O seu olhar cruzou-se com o de John e disse-lhe, «vou-te acompanhar por
algum tempo, mas este caminho tem que ser feito apenas por ti». John respondeu
como se o compreendesse, «eu sei, eu sei». Veio-lhe, de repente, à memória o
que dizia o seu pai. «Agora já és um homenzinho não precisas que seja eu a abotoar-te
os sapatos, deves faze-lo sozinho senão tropeças». Tinha nessa altura dez anos
de idade. Em muitas alturas John lembrou-se desse conselho. Como daquela vez em
que sentado no seu restaurante preferido em frente ao rio, o olhou com outros
olhos. Marisa ao pé dele olhava-o com a mágoa de alguém que tenta ser feliz e
faze-lo feliz, mas não consegue. John não sabia ainda abotoar os sapatos
sozinho. Ela cansada e em saturação tinha desistido dele. Aquela conversa
deveria ter acontecido há já algum tempo. Mas por medo, ansiedade não a tinham
concretizado. Marisa apesar de sonhadora era também prática tal como John.
Sentiam-se mal na pele que tinham escolhido para dar um ao outro. Não magoar,
não culpabilizar, não cobrar. Tinham dito isso já lá iam dois anos. Mas o que
parecia inicialmente um mar de rosas perfumadas, carinhos para ali, caricias
para acolá tinha-se tornado em espinhos não ditos para ali e verdadeiras silvas
para acolá. E num momento de stress tudo desabou. Dissera aquilo que queria
e aquilo que não queria. Ouvira também aquilo que queria e não queria. Alguém
em determinada altura pensou e escreveu, “A vida
não é simples. A vida parece simples. Todos querem crer que a vida é simples,
quando na verdade, a vida é como um piano. Um piano também parece simples, com
apenas duas cores. Preto e branco. A vida é um conjunto de harmonias em
simultâneo. A vida é feita de acordes, escalas cromáticas e simples staccatos. Por trás
de um conjunto de teclas de ébano e marfim, existem martelos e cordas que não
são tão simples como as simples cores preto e branco que um piano aparentemente
apresenta.”
John
e Marisa tinham transformado as suas vidas em dois pianos desafinados. Marisa ainda tentou. Sendo mais sensata
tornou-se mais coerente com o seu modo de agir. Não importunava, não criava
situações de conflito, não conversava de coisas que pudessem fazer
desentendimentos. John pelo contrário. Tudo fazia por azedar toda e qualquer
comunicação. Por simples coisas como o atraso num cabeleireiro por parte dela.
Ela a ficar bonita para ele. «Eu estúpido a perde-la por minutos», pensa agora
que caminha. Por mais que tentassem afinar os seus pianos e entrar em sintonia
não tinham entendido que só um afinador de pianos os podia concertar. Por fim
tinham deixado de se ver. Inicialmente ainda conversavam pelo telefone. E de
repente tudo terminou.
Passara-se
cerca de um mês e meio e tudo estava tranquilo até aquela fatídica noite em que
lhe veio a angústia ao peito. Lembrando-se da relação que tinha tido com
Marisa. Lembrou-se agora que algures tinha imaginado que, um homem não lhe chama
relação, refere-a como um romance ou um período de namoro. Quando acaba a
reação é diferente no feminino e no masculino. Enquanto a mulher chora,
desabafa com as amigas e escreve um poema chamado, «todos os homens são otários»
e depois continua a sua vida, um homem tem um pouco mais de dificuldade em
esquecer. Durante seis meses a sua ex não ouvirá falar dele mas de repente, às
três da madrugada de um domingo, ele telefonará e dirá «é só para que saibas que
arruinaste a minha vida e nunca mais te perdoarei, odeio-te e és uma vaca. Mas
queria dizer-te que há sempre uma possibilidade para nós os dois recomeçarmos».
John pensa que terá dito algo do género. Lembra-se que como a maioria dos
homens fez o telefonema, «eu odeio-te / eu amo-te». Quanto mais caminhava,
John, mais pensava que tinha perdido a oportunidade de deixar de ser um
caminhante errático. Não é que não gostasse de o ser mas estava a ficar cansado
de caminhar sem rumo.
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