sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Capitulo 4 (O caminhante)



   O caminho que John trilhava tornava-se cada vez mais penoso. O «saco de acumular» que caminhava ao seu lado tornava-o mais consciente. As lagrimas por vezes eram uma torrente salgada a sair. Lavava-lhe a alma esse mar salgado. A dor que moderadamente sentia fazia com que as lagrimas não secassem. A dor profunda congela e cristaliza todas as suas lagrimas. “A dor profunda ou pequena produz efeitos contrários”, pensava. “Congela ou descongela. A luz forte cega-nos, enquanto que a moderada nos faz ver claramente o caminho”. Ele queria ver a luz. Ele queria sentir o calor do sol, o cheiro do mar, o silêncio das flores, o sabor da música, enfim, «la joie de vivre». Mas a dor é intensa. Uma acalma as outras. Uma delas sobrepõem-se às outras. Lembra-se de Mary e ainda sente remorsos. Culpa, de apesar de a ter amado não ter feito de tudo para a conservar. Procura na sua memória a distorção que fez ao contar a sua experiência com Lisa. “As dores inconsoláveis só podem ser minoradas quando contadas a alguém que sofra do mesmo mal”, pensava. Mas tudo não passou de um engano. Um dos seu enganos. Do conjunto de enganos que se acumularam ao longo da sua vida. Tem esses enganos presos a si e carrega-os as costas desde sempre. Só agora neste caminho que trilha é que tem consciência deles. Mas a vontade de os “tratar” de “reciclar” esses lixos tóxicos é imensa. Por isso volta a olhar para o caminho que trilha. Volta a olhar em volta. Vê o que o rodeia de uma outra forma. Torna-se mais consciente. Perdoa-se a cada passo e resolução que toma, a cada recordação que tem. A cada desculpa que pede. Faz de si um homem novo. Mas muito caminho ainda existe pela frente.
Mas quem é John, questiona-se o leitor. Quem é este caminhante que em tudo é parecido comigo, eu que leio, em alguma situação vivida por mim? Questionar faz parte da natureza humana. Procurar respostas é a essência de toda a vida cheia. John somos todos e nenhum de nós em qualquer situação que exija reflecção e ponderação dos nossos atos e resolução do caminho a seguir em qualquer altura da vida! Todos, porque em qualquer momento tivemos as agustias que ele sente e nenhum de nós porque essas agustias são apenas nossas e sentidas de uma forma que só nós as sentimos. A partir de uma determinada idade acumulamos fotos e molduras para não perder a memória do nós. Sentimos medo de nos perder de nós mesmos. John era um tipo prático. Um tipo comum a tantos outros. Com vontade de fazer, de realizar, de programar refletidamente cada passo que dava. Mas com a idade foi desaprendendo. Como alguém, um dia disse, “se viver o suficiente alcançarei a completa ignorância”, John sentia-se um completo ignorante há medida que avançava na idade. Cada passo que dava nesse seu caminhar sentia-se a como os balões a largar lastro para ganhar altura, para se tornar mais leve. As ilusões que foi acumulando são esse lastro que caminhando vai largando. As ilusões do quotidiano que nunca soube refrear que apenas lhe traziam mais ilusões. Enquanto vivia nelas sentia-se feliz. Mas não passavam de ilusões que rapidamente se desvaneciam com o fumo de um cigarro em plena ventania. Questionava-se! “O Questionar é pensar e quem pensa acaba sempre a contestar” alguém tinha dito já há algum tempo e concluía que “pensar prejudica a saúde”. O pensar fazia-lhe mal. Deixava-o em claro noites inteiras. Irritadiço tornava-se bruto para quem amava.

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