O
caminho que John trilhava tornava-se cada vez mais penoso. O «saco de acumular»
que caminhava ao seu lado tornava-o mais consciente. As lagrimas por vezes eram
uma torrente salgada a sair. Lavava-lhe a alma esse mar salgado. A dor que
moderadamente sentia fazia com que as lagrimas não secassem. A dor profunda
congela e cristaliza todas as suas lagrimas. “A dor profunda ou pequena produz
efeitos contrários”, pensava. “Congela ou descongela. A luz forte cega-nos,
enquanto que a moderada nos faz ver claramente o caminho”. Ele queria ver a
luz. Ele queria sentir o calor do sol, o cheiro do mar, o silêncio das flores,
o sabor da música, enfim, «la joie de
vivre». Mas a dor é intensa. Uma acalma as outras. Uma delas sobrepõem-se
às outras. Lembra-se de Mary e ainda sente remorsos. Culpa, de apesar de a ter
amado não ter feito de tudo para a conservar. Procura na sua memória a
distorção que fez ao contar a sua experiência com Lisa. “As dores inconsoláveis
só podem ser minoradas quando contadas a alguém que sofra do mesmo mal”,
pensava. Mas tudo não passou de um engano. Um dos seu enganos. Do conjunto de
enganos que se acumularam ao longo da sua vida. Tem esses enganos presos a si e
carrega-os as costas desde sempre. Só agora neste caminho que trilha é que tem
consciência deles. Mas a vontade de os “tratar” de “reciclar” esses lixos
tóxicos é imensa. Por isso volta a olhar para o caminho que trilha. Volta a olhar
em volta. Vê o que o rodeia de uma outra forma. Torna-se mais consciente.
Perdoa-se a cada passo e resolução que toma, a cada recordação que tem. A cada
desculpa que pede. Faz de si um homem novo. Mas muito caminho ainda existe pela
frente.
Mas
quem é John, questiona-se o leitor. Quem é este caminhante que em tudo é
parecido comigo, eu que leio, em alguma situação vivida por mim? Questionar faz
parte da natureza humana. Procurar respostas é a essência de toda a vida cheia.
John somos todos e nenhum de nós em qualquer situação que exija reflecção e
ponderação dos nossos atos e resolução do caminho a seguir em qualquer altura
da vida! Todos, porque em qualquer momento tivemos as agustias que ele sente e
nenhum de nós porque essas agustias são apenas nossas e sentidas de uma forma
que só nós as sentimos. A partir de uma determinada idade acumulamos fotos e
molduras para não perder a memória do nós. Sentimos medo de nos perder de nós
mesmos. John era um tipo prático. Um tipo comum a tantos outros. Com vontade de
fazer, de realizar, de programar refletidamente cada passo que dava. Mas com a
idade foi desaprendendo. Como alguém, um dia disse, “se viver o suficiente alcançarei
a completa ignorância”, John sentia-se um completo ignorante há medida que
avançava na idade. Cada passo que dava nesse seu caminhar sentia-se a como os
balões a largar lastro para ganhar altura, para se tornar mais leve. As ilusões
que foi acumulando são esse lastro que caminhando vai largando. As ilusões do
quotidiano que nunca soube refrear que apenas lhe traziam mais ilusões.
Enquanto vivia nelas sentia-se feliz. Mas não passavam de ilusões que
rapidamente se desvaneciam com o fumo de um cigarro em plena ventania. Questionava-se!
“O Questionar é pensar e quem pensa acaba sempre a contestar” alguém tinha dito
já há algum tempo e concluía que “pensar prejudica a saúde”. O pensar fazia-lhe
mal. Deixava-o em claro noites inteiras. Irritadiço tornava-se bruto para quem
amava.
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