sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Capitulo 5 (O Caminhante)



As coincidências levam ao destino. As coincidências só o são por si mesma, porque cada um de nós as cria. Cada um de nós as fazem viver com a intensidade de uma corrente de água de um rio que ao chegar as escarpas de uma montanha, após ter brotado de uma fenda pequena da profundeza da terra, ruidosamente e freneticamente correm declive abaixo. Momentos de coincidências existem para nos mostrar que o acaso governa. Que o livre arbítrio é mais uma ilusão. É mais uma ironia do destino.
 John, naquele dia apaixonado com o que os seus olhos vêm sente-se mais uma vez ludibriado pela sua existência. A existência de ter que existir. De ter que se fazer valer das suas propriedades intrínsecas para intender que o exterior o influencia. «Como posso não existir se o que existe sempre me faz lembrar de ti e que tudo não é mais que a minha própria existência». Filosofando consigo mesmo, torna-se moralmente equilibrado. Cada momento só o torna mais avido do outro. O excesso na medida certa torna-se felicidade. Mas de que forma sabemos nós que quantidade é o excesso certo? O bem-estar muitas vezes se confunde com o poder de ter. O poder de saber.
Há quem diga que estes pesadelos se dissolvem ao sol. John acredita nisso. Caminha á beira-mar nesse dia. Olhando para o cheiro da maresia que lhe entra pelos olhos, sente-se feliz. A gaivota que faz uma tangente no horizonte mostra-lhe que o bem-estar não é mais que ter liberdade de movimentos. O futuro só vale a pena se tiver passado e este se for construído no presente. A liberdade de movimentos serve como muleta para fazer um enriquecimento interior. Essas propriedades intrínsecas que tanto pensa John não passam de meras acumulações. De meras vivências. De meras coincidências. De acumulações constantes de momentos que se tornam passado. Recorda-os com afinco. Recorda-os com paixão. Tem passado, pensa. E presente?
Senta-se numa esplanada a olhar o mar. A sentir a brisa que lhe afaga a cara já com algumas rugas sulcadas. Olha em volta e nota um jornal colocado e perto de esvoaçar para longe junto a mesa contigua a dele. Pede um café e um copo de água. Apanha o jornal antes dele se embrenhar pelo mundo. Folheia-o. Sem pensar olhar para uma história escrita. “A paciência é o intervalo entre a semente e a flor “. Acha interessante o título. Decide lê-la.
“A paciência é o intervalo entre a semente e a flor” pensou ele naquela manhã de outono. A paciência. Que remedio tinha se não ter paciência. Era um homem paciente. “Dentro do género claro”, pensava ele. Por vezes intempestivamente deitava tudo a perder. Estava-lhe na “massa do sangue”. “Não me pisem os calos” repetia continuamente para os seus botões. Fazia tudo por estar bem com a vida. Fazia tudo por estar bem com a companheira que nesse momento tinha. Fazia tudo. Preocupava-se sempre por tornar agradável a sua companhia. Fazia tudo para que a sua “cara-metade” se sentisse bem com ele. Pouco ou nada se preocupava com ele. Mas se lhe “pisassem os “calos”, isso já era outra coisa. Tudo o que de bom lhe acontecia na vida era facilmente colocado de lado. De nada valia mais tarde arrepender-se do que tinha feito. Pouco tempo perdia com arrependimentos. Passava rapidamente a fase seguinte.
Mas neste caso concreto que o lhe ocupava a mente nestes últimos tempos o ciclo tinha-se quebrado. Esse ciclo que tão laboriosamente tinha construído ao longo dos anos. Ela mostrava-se de vez em quando. Seja por correio eletrónico, por mensagem ou um telefonema esporádico. Eram contactos em que ela gritava bem alto, “estou aqui!”. O encontro de café com conversas de circunstância. “Estas bem? As coisas correm bem contigo. Sim e contigo? Também”. Mentiras ditas e entendidas pelos dois. Não estavam bem. Não se sentiam bem. A vida tem que correr. Devagar. Mas tem que continuar. “Como esta … o trabalho… a família…”. Esta tudo a correr e Tu? Também”. Varias palavras não ditas. Varias palavras mal ditas. Malditas palavras que levam irremediavelmente ao azedume. E sem querer um deles levanta-se. Esperando o que outro interrompa o movimento, separaram-se. Mais uma noite de pesadelo e sonho. Do que poderia ser e não é. Do que poderia ter continuado e não continuou. Segue-se mais um dia. Sem pensar. Mais uma mensagem via correio eletrónico ou outro contacto qualquer. O “jogo” cansa. Torna tudo mais ténue. Desvanece a lembrança do corpo. Do olhar. Da preocupação. Morrem dentro. Matam-se por dentro, continuamente. Cada um sente que nada mais há a fazer. Mas não se dão por vencidos. Encontram-se novamente. Os movimentos dos seus corpos demonstram o contrário das suas palavras. Voltam novamente a separar-se. Sentem o peso da alma. Cada vez mais fria. Cada vez mais mirrada. É preciso perdoar. É preciso não ter ilusão. “Ela não mereceu”, pensa ele. “Ele não mereceu”, pensa ela. Mas eles mereceram o que lhes aconteceu. Tudo não passou de uma quimera, de um sonho louco de um lunático em delírio esquizofrénico num hospital psiquiátrico. Era impossível que o que sentiam um pelo outro se tornasse realidade por muito mais tempo. Sem se ferirem. Sem se magoarem. Sem se anularem mutuamente. Mas os encontros tornam-se terapia. Cada vez mais espaçados no tempo.
Nesta manhã de outono sente que isso é a verdadeira razão de se encontrarem. Esses encontros são feitos de perdão. Esses contactos de mágoa controlada. “ Perdoa-me” diz-lhe o seu olhar fugidio e por baixo dos óculos escuros a esconder os olhos. “Perdoa-me” diz-lhe a ela as sua mãos que não param de mexer no cigarro encima da mesa. De nada vale agora o arrependimento. Mas mesmo assim encontram-se. Tornam-se prisioneiros desses encontros. Ele querer quebrar o ciclo. Ela quer elimina-lo da suas células.
A semente que esta presente nesses encontros num dará flor. Apenas esta presente. Apenas cada um deles se sente sem forças para a adubar, regar e acalorar. Para novamente se tornar flor. Florir. A semente que antes floriu de forma espontânea e resistente a todas as intempéries morreu. Produziu uma única semente. Em cada um deles resiste. Em cada um deles produzirá uma nova flor. A ilusão, que sentem, por se sentarem á mesa de um café isso acontecerá, torna-se mais longínqua. Não dizendo o que não lhes vai na alma e no corpo. Algures existirá um outro sonho que a fará despertar que a fará tornar uma nova flor.
Nessa manhã de outono tudo se torna claro. A espera. A paciência. A virtude da paciência. O processo de perdão chegou ao fim. Os encontros cessaram. “Mais um calo” para coçar pensou ele. “Mais uma ilusão” para o baú pensou ela.

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